contato@fpmoreno.com.br
55 11 2308-7899

Single Blog Title

This is a single blog caption

Os 24 anos da Lei de Arbitragem no Brasil

Por Mauricio Tartareli Mendes

Foto: rawpixel.com / Freepik

                                     A lei de arbitragem (Lei 9.307/1996) está completando 24 anos de vigência no próximo dia 23 de setembro. No presente artigo veremos um pouco da história deste importante instituto de resolução de conflitos no Brasil.

Apesar de ser um instituto já utilizado pelos países europeus colonizadores para resolução de conflitos mercantis, a arbitragem era utilizada no Brasil de acordo com as regras das Ordenações Filipinas, título XVI, Livro II1.

A arbitragem somente veio a ser positivada no ordenamento jurídico brasileiro na promulgação da primeira Constituição Brasileira, em 18242. A redação de seu artigo 160 contava com o seguinte texto:

Art. 160. Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes Árbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes”.

Na leitura do texto Constitucional denota-se duas importantes características:

  1. a) A necessidade de convenção das partes acerca da formalidade da cláusula compromissória, ou seja, a constituição de painel arbitral depende, expressamente, da declaração da vontade das partes;
  2. b) A irrecorribilidade das decisões arbitrais, por vontade das partes.

Em 1850, foi editado o Código Comercial Brasileiro, Lei nº 556/1850, que adotou como obrigatória a arbitragem nas lides envolvendo questões mercantis, conforme podemos verificar no artigo 2033:

“Art. 203. Serão necessariamente decididas por árbitros as questões e controvérsias a que o Código Comercial dá esta forma de decisão.”.

Por certo que, obrigar as partes a se submeterem à um juízo arbitral, contraria o princípio constitucional da inafastabilidade do Poder Judiciário e ao direito de ação, elencado na constituição Federal de 1824 em seu artigo 1514.

Assim, a obrigatoriedade da arbitragem nas relações comerciais foi totalmente revogada, em 1886, com a advento da Lei 1.350/18665.

Desta maneira, afastava-se a obrigatoriedade da arbitragem perante os contratantes, que a utilizariam apenas na hipótese de celebrarem cláusula compromissória.

Referida Lei postergou a regulamentação da arbitragem no Brasil, que veio pelo Decreto nº 3.900/1.867, e que trouxe em seu bojo todo o procedimento arbitral e suas regras processuais.

Com o advento da Constituição da República de 1891, o instituto da arbitragem ficou relegado a questões pertinentes a relações internacionais, sendo citado apenas em seu artigo 34, 116.

O instituto da arbitragem voltou a ser regulado para particulares com o advento do primeiro Código Civil Brasileiro, em 1916, na redação dos artigos 1.037 a 1.048, com a particularidade da facultatividade para as partes, mantendo consonância com a regra da Lei 1.350/1866, que foi recepcionada pela Constituição da República de 18897.

Mais uma vez foram resolvidas as regras processuais acerca da arbitragem. O códex de 1916 condicionou a eficácia executiva do laudo arbitral à homologação do Poder Judiciário, “salvo se for proferida por juiz de primeira ou segunda instância, como árbitro nomeado pelas partes”. (Artigo 1.045).

A recorribilidade das decisões arbitrais voltou a ser uma faculdade das partes e, mesmo com cláusula de irrecorribilidade, o Poder Judiciário poderia rever as decisões dos árbitros, pois “ainda que o compromisso contenha cláusula <<sem recurso>> e pena convencional contra a parte insubmissa, terá esta o direito de recorrer para o tribunal superior, quer no de ter o árbitro excedido seus poderes”. (Artigo 1.046)8.

Não está muito claro no texto da Lei a extensão objetiva da recorribilidade, ou seja, quais matérias poderiam ser objeto de recurso de um laudo arbitral. A redação do artigo 1.047, contudo, integra a interpretação sistemática, deixando claro que não cabe ao Poder Judiciário a análise de mérito da sentença, não se aplicando qualquer efeito substitutivo, na redação do artigo: “O provimento do recurso importa a anulação da pena convencional”.

Já a Constituição de 1934 delegou exclusivamente à União legislar sobre os procedimentos arbitrais, até então cada Estado tinha suas próprias regras de arbitragem9. Ocorre que, nesse sentido, a Constituição deixou esta norma pendente de regulamentação, e até o advento do Código de Processo Civil de 1939, os Estados continuaram utilizando suas próprias regras10.

Em 1939, entrou em vigor o Código de Processo Civil, já com o monopólio da União para legislar sobre direito processual10, que dedicou um livro inteiro ao procedimento arbitral (Livro IX – Do Juízo Arbitral).

Apesar de possuir conceitos mais atuais aos circunscritos no Código Civil de 1916, o Código de Processo Civil de 1939 manteve a necessidade de homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário (artigos 1.041 a 1.044)11.

Outra novidade trazida pela lei processual foi o rol de vícios que ensejariam a nulidade da decisão arbitral (artigo 1.045), sendo estes: I) quando nulo o compromisso; II) quando pronunciada fora dos limites do compromisso ou em desacordo com seu objeto; III) quando nomeados os árbitros em desacordo com a forma prescrita, desde que a nulidade tenha sido arguida no juízo arbitral; IV) quando infringente de direito expresso, salvo si, autorizado no compromisso, o julgamento tiver sido por equidade; V) quando contiver qualquer dos vícios que anulam as sentenças em geral; VI) quando pronunciado fora do prazo assinado aos árbitros no compromisso; VII) quando o laudo não for depositado no prazo do art. 1.043 (5 dias da assinatura do laudo); VIII) quando o laudo não satisfaça os requisitos enumerados no art.1.038. (Requisitos obrigatórios do Laudo, como indicação das partes, decisão, assinatura dos árbitros, etc.).

O Código Processual inovou ao prever a competência do Poder Judiciário para reformar o mérito das decisões arbitrais, quando estas forem decididas por equidade ou quando a decisão tiver sido “infringente ao direito expresso”.

No período do governo militar, passa a vigorar, em 1973, o Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973), editado por Alfredo Buzaid, na época Ministro da Justiça do Governo de Garrastazu Médici.

O procedimento arbitral veio elencado neste Código no Livro IV, dos procedimentos especiais, como mais um procedimento, o que tecnicamente é um erro, haja vista não se tratar de um procedimento de jurisdição estatal, salvo a homologação do laudo arbitral, previsto nos artigos 1.098 a 1.102.

Neste sentido, parece ser mais correto o posicionamento do Código anterior, de 1939, que tratou o “Juízo Arbitral” como um procedimento fora da jurisdição do Poder Judiciário. Note-se, no Anexo I, o quadro comparativo acerca das regras de arbitragem no Código de Processo Civil de 1939 e 1973.

Nota-se ainda o condicionamento da eficácia da decisão arbitral à homologação pelo Poder Judiciário, bem como pelas razões de nulidade ou anulabilidade do laudo arbitral, nos artigos 1.100 a 1.102, afastando, porém, toda e qualquer possibilidade de adentrar no mérito da decisão, devolvendo ao Tribunal Arbitral, em algumas hipóteses, a matéria para novo julgamento12.

Ocorre que, cada vez mais mostrava-se pelo mundo desnecessária a homologação das decisões arbitrais pelo Poder Judiciário, ora, as partes justamente buscavam não se submeter ao Poder Judiciário pela arbitragem, mas ao final acabavam tendo que passar pelo crivo de juízes togados e toda a morosidade do Estado.

Assim, enquanto Bélgica (1972), França (1980), Itália (1983), Portugal (1986) e Espanha (1988) aboliam ou, pelo menos, mitigavam a exigência de homologação de laudos arbitrais, o legislador brasileiro mantinha-se fiel às suas tradições históricas, emperrando a utilização do mecanismo de solução de controvérsias13.

A fim de atualizar o manter o sistema arbitral coerente com a nova realidade social, gerada principalmente pelo fator globalização, o Congresso Nacional editou alguns anteprojetos de Lei, em 1981, publicado no DOU em 27/05/1981, portaria 76/87, publicado no DOU em 27/02/1987 e a portaria 298-A, publicada no DOU em 20/06/1988.

Nenhum destes anteprojetos foram sancionados a todos acabaram engavetados, continuava, portanto, a necessidade de homologação das sentenças arbitrais pelo Poder Judiciário.

A Constituição Federal de 1988 não fez nenhuma menção expressa em seu texto acerca da arbitragem e seu procedimento, à exceção dos direitos do trabalhador, mantendo a exclusividade da União para legislar sobre processo e, portanto, recepcionando o Código de Processo Civil de 1973.

Em 1994, a Lei 8.953/1994 alçou a sentença homologatória de decisão arbitral a qualidade de título executivo judicial, mantendo, por óbvio, a necessidade de homologação para surtir efeitos.

Contudo, em 1996 enfim foi editada a lei 9.307/1996, conhecida como Lei de Arbitragem, que passou a reger o procedimento arbitral como um todo. Finalmente a decisão arbitral passava a ter autonomia e já não necessitava mais de homologação do Poder Judiciário. O artigo 41 da Lei incluiu a sentença arbitral no rol de títulos executivos do Código de Processo Civil.

A hermenêutica do procedimento arbitral manteve-se intacta com a qualidade da decisão arbitral ser considerada título executivo judicial, e não extrajudicial, evitando desnecessários debates acerca do mérito da decisão.

Com a edição do recente Código Civil, vemos mais uma vez a autorização do Estado e a concessão de seu monopólio jurisdicional ao juízo arbitral, na redação do artigo 853: “Admite-se nos contratos a cláusula compromissória, para resolver divergências mediante juízo arbitral, na forma estabelecida em lei especial.”

A Lei de arbitragem sofreu recentemente uma reforma, pela Lei 13.128/2015, que trouxe a possibilidade de entes públicos instituírem arbitragem, além de alterações na forma e momento processual de anulação da sentença, que trataremos mais adiante.

Por fim, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) manteve à Lei de Arbitragem sua regulação14, prevendo a existência deste procedimento, mas não determinando regras, tendo em vista a existência da Lei Arbitral.

O histórico da regulamentação da arbitragem no Brasil demonstra sua importância na resolução de conflitos que fora do Poder Judiciário, delegando às partes envolvidas suas próprias regras (dentro de limites legais) e escolhendo seus pares como julgadores, dando mais celeridade às suas demandas e desafogando o já exaurido sistema judicial brasileiro.

Referências

[1] BRASIL. Histórico da arbitragem no Brasil. Disponível em <http://www.cmaj.org.br/historico-da-arbitragem-no-brasil/>.

[2] Apesar do caráter técnico do presente estudo, não podemos deixar de observar as peculiaridades do preâmbulo da nossa primeira Constituição, que denotava um caráter imperialista, ainda de submissão ao imperador, mas com o surgimento das instituições democráticas que “afloraram” em 1889, vejamos: “DOM PEDRO PRIMEIRO, POR GRAÇA DE DEOS, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil : Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que tendo-Nos requeridos o Povos deste Imperio, juntos em Camaras, que Nós quanto antes jurassemos e fizessemos jurar o Projecto de Constituição, que haviamos offerecido ás suas observações para serem depois presentes á nova Assembléa Constituinte mostrando o grande desejo, que tinham, de que elle se observasse já como Constituição do Imperio, por lhes merecer a mais plena approvação, e delle esperarem a sua individual, e geral felicidade Politica : Nós Jurámos o sobredito Projecto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que dora em diante fica sendo deste Imperio a qual é do theor seguinte […]” (Destacamos). Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>

[3] Além deste dispositivo, vários outros trazem a obrigatoriedade da arbitragem no Código Comercial Brasileiro para específicos casos, a saber: artigos 80, 82, 95, 107, 111, 139, 179, 194, 201, 209, 215, 217, 282, 294, 515, 667, inc. 11, 772, 776, 777, 846 e 847.

[4] “Art. 151. O Poder Judicial independente, e será composto de Juizes, e Jurados, os quaes terão logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Codigos determinarem”.

[5] “Art. 1º Fica derrogado o Juízo Arbitral necessário, estabelecido pelo artigo vinte título único do Código Comercial. §1º O Juízo Arbitral será sempre voluntário mediante o compromisso das partes. §2º Podem as partes autorizar os seus árbitros para julgarem por equidade independentemente das regras e fórmas de direito”.

[6] Art. 34. Compete privativamente ao Congresso Nacional: […] 11 – autorizar o Governo a declarar guerra, si não tiver logar o mallogar-se o recurso do arbitramento, e a fazer a paz.

[7] “Art. 1.037. As pessoas capazes de contratar poderão, em qualquer tempo, louvar-se, mediante compromisso escrito, em árbitros, que lhes resolvam as pendências judiciais, ou extrajudiciais”.

[8] Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L3071.htm.

[9] CRETELLA NETTO, José. Curso de Arbitragem. 1. ed. Rio de Janeiro. 2004. p. 23

[10] Constituição de 1934 – Art. 5º – Compete privativamente à União: […] XIX – legislar sobre: a) direito penal, comercial, civil, aéreo e processual, registros públicos e juntas comerciais; disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm.

[11] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1608.htm.

[12] Art. 1.102. O tribunal, se der provimento à apelação, anulará o laudo arbitral: I – declarando-o nulo e de nenhum efeito, nos casos do artigo 1.100, números I, IV, V e VIII; II – mandando que o juízo profira novo laudo, nos demais casos. (Destacamos).

[13] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. Um Comentário à Lei nº 9.307/96. 3.ed. São Paulo: Atlas. 2009. p. 5.

 

 

Leave a Reply