Sistema multiportas de resolução de conflitos
Por Sandra Valeria Mazucato Grubert
Foto: jcomp
A humanidade está passando por momentos de intensas transformações sociais que, inevitavelmente, provocaram mudanças significativas na maneira como as pessoas pensam, agem e se comunicam.
Diante de profundas mudanças nos paradigmas sociais, um dos desafios mais significativos no momento é encontrar maneiras adequadas de resolver conflitos, que para VINYAMATA pode ser entendido como luta, discordância, aparente incompatibilidade, confronto de interesses hostis, perpetrações ou atitudes entre mais duas partes (tradução nossa).
As teorias contemporâneas tendem a perceber o conflito como uma fonte potencial de mudanças positivas nas relações e nas estruturas sociais nas quais está inserido, desde que seja feita uma gestão positiva na maneira como ele é canalizado e conduzido.
E neste contexto de busca da gestão positiva do conflito, surge o que a doutrina denominada como “Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos”, que foi instituída no Ordenamento Jurídico Brasileiro, refletindo a mudança ocorrida na própria sociedade, por meio do novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/15.
Segundo TARTUCE, sistema multiportas de resolução de conflitos é o complexo de opções que cada pessoa tem a sua disposição para buscar solucionar um conflito a partir de diferentes métodos; tal sistema (que pode ser ou não articulado pelo Estado) envolve métodos heterocompositivos (adjudicatórios) e autocompositivos (consensuais), com ou sem a participação estatal.
Nesta nova perspectiva, o Ordenamento Jurídico coloca à disposição da coletividade métodos diversos de solução de controvérsias, com características específicas que sejam adequadas às particularidades de cada caso concreto, possibilitando que as ineficácias experimentadas no método tradicional heterocompositivo sejam reduzidas.
Inúmeros são os métodos e processos de solução de controvérsias que integram o sistema multiportas e, à medida que as mudanças sociais exigirem, outros poderão ser desenvolvidos e incorporados ao sistema. Contudo, eles podem ser classificados como heterocompositivos e autocompositivos.
Os heterecompositivos são os meios de solução de conflitos em que um terceiro imparcial é quem define, em caráter impositivo, como a controvérsia deve ser resolvida gerando resultados onde um ganha e o outro perde.
Os meios heterocompositivos previstos em nossos Ordenamento Jurídico, atualmente, são: o jurisdicional, quando as partes buscam o Poder Judiciário para obter uma sentença a ser proferida por um terceiro imparcial, que é uma autoridade estatal investida em poder coercitivo (juiz); e a via arbitral, em que o terceiro que decidirá qual é a solução para controvérsia, também com poder coercitivo, goza da confiança das partes e por elas são escolhidos (árbitros).
Os meio autocompositivos, por sua vez, são métodos não adversariais e consensuais, em que, por força da livre autonomia de vontade das partes, não há decisão por terceiros e as soluções não são encontradas pelos próprios envolvidos – se necessário com com o auxílio de um terceiro facilitador imparcial que nada decide e só estimula a manifestação por meio de indagações criativas, a fim de que os próprios interessados encontrem suas respostas.
Importante destacar que os métodos autocompositivos privilegiam o diálogo e a negociação entre as partes, instrumentos estes que são estimulados e orientados por profissionais capacitados e dotados de neutralidade, tais como os conciliadores, facilitadores e os mediadores.
Dentre os métodos autocompositivos, que estão em evidência nos dias de hoje, destacamos a negociação, a conciliação, a mediação e dispute review boards, todos orientados pelos princípios da autonomia da vontade das partes, da decisão informada, informalidade, imparcialidade, busca do consenso e cooperação, boa fé e isonomia das partes e, na mediação, também pelo princípio da confidencialidade e da não competitividade.
A negociação é o mecanismo de solução de conflitos amplamente utilizada no cotidiano de pessoas e instituições. É inerente à convivência humana e pode ser percebido de duas maneiras distintas: no sentido amplo, que abrange todos os mecanismos de solução de conflitos em que o diálogo entre as partes se faz necessário; no sentido estrito, como meio de solução de conflitos que prescinde da intervenção de um terceiro.
A conciliação, por sua vez, é uma forma de resolução de controvérsias administrada por um conciliador indicado ou aceito pelas partes. Segundo SALES e RABELO, o conciliador
Deve ser um terceiro imparcial, com competência para aproximar as partes, controlar as negociações, “aparar as arestas”, sugerir e formular propostas, apontar vantagens e desvantagens, objetivando sempre a resolução do conflito. O conciliador tem a prerrogativa de poder sugerir um possível acordo, após uma criteriosa avaliação das vantagens e desvantagens que tal proposição traria às partes.
Baseado, em grande parte, em metodologias negociais, a mediação pode ser definida como um processo em que um terceiro imparcial e independente coordena reuniões separadas ou conjuntas com as pessoas envolvidas em conflitos, sejam elas físicas ou jurídicas, com o objetivo de promover uma reflexão sobre a inter-relação existente, afim de alcançar uma solução, que atenda a todos os envolvidos.
É um processo não adversarial, confidencial e voluntário, conduzido por um terceiro imparcial, que tem por finalidade construções de soluções que beneficiem todas as partes envolvidas, preservando a relação social e colocando as partes como autoras das soluções construídas com base no consenso, facilitando, assim, a sustentabilidade do acordo.
Por fim, destacamos o dispute review boards, um mecanismo de solução de controvérias muito utilizado na área coorporativa e que consiste em um comitê formado por profissionais aptos a observar a instalação de problemas e conflitos que possam surgir durante a execução de contratos de longa duração, com a finalidade de oferecer soluções imediatas no próprio local de trabalho selecionado pelo contratante ou pelo contratado, evitando a judicialização ou a arbitralização das controvérsias.
Geralmente, este método é utilizado em três formatos diferentes: o dispute review board (DRB), que aconselha as partes com sugestões apenas; o dispute adjucation board (DAB), no qual o comitê desempenha função decisória, impondo as soluções; e o combined dispute board (CDB), que pode tanto emitir recomendações não vinculantes quanto proferir decisões vinculantes.
Como visto, com o advento do novo Código de Processo Civil, o Ordenamento Jurídico passou a reconhecer diferentes meios de solução de conflitos como meios adequados ao tratamento de controvérias. E os métodos, processos e ferramentas aqui introduzidos, que integram o chamado “sistema multiportas” podem contribuir, de forma efetiva, para o fortalecimento de uma cultura que privilegie e diálogo e a pacificação social.
Cabe às partes envolvidas no conflito, orientados e assessorados por seus advogados, escolher o método ou processo que seja mais adequado à solução do caso concreto, de forma que os benefícios do sistema multiportas de resolução de controvérsias possa trazer soluções de ganhos mútuos para todas as partes envolvidas.
Sandra Valeria Mazucato Grubert, Advogada, mediadora e professora universitária. Graduada em Direito pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul/SP, com especialização em Direito Constitucional, com capacitação docente, pela Escola Superior de Direito Constitucional (ESDC), Mestranda em Sistemas Alternativos de Resolução de Conflitos, pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora (Buenos Aires, Argentina). Sócia do Escritório FP Moreno Sociedade de Advogados.